Há algumas semanas vimos uma explosão nas redes sociais do uso de aplicativos especialmente dedicados à criação de avatares. Esses aplicativos, como o Lensa com sua função Magic Avatars, ou Prequel para os mais populares, permitem criar imagens a partir de uma amostra de 10 a 20 fotos.
Depois oferecem um conjunto de 50 a 100 imagens mais ou menos parecidas com a pessoa e de vários estilos diferentes que vão do mangá aos quadrinhos passando pelo místico ou ficção científica. O resultado é bastante interessante para quem gosta de ter uma foto de perfil estilosa.
No entanto, essas aplicações, além de levantar questões éticas, são muito limitadas em termos de criatividade. Elas não dão liberdade ou controle sobre estilo, efeitos e renderização.
É por isso que me interessei a Midjourney.
Além do meu trabalho como designer, sou fotógrafo desde 1995. Especializado em retratos de encontros e viagens. Colaborei há alguns anos com algumas revistas francesas como a Surf Session por exemplo. Isso me levou a visitar regiões como Califórnia, Havaí, Austrália e depois em 2003 o Brasil onde permaneci por quase 15 anos. Esse período no Brasil me motivou a fotografar a cultura afro-brasileira, seu povo, seus olhares, suas expressões. Após mais de dez anos de trabalho sobre o tema, o resultado foi um livro em 2014 e uma exposição em 2016 no âmbito do festival internacional « Foto Rio ».
Voltando ao Midjourney. Todos esses anos fotografando a cultura afro-brasileira havia uma coisa impossível de fotografar: os Orixás. Essas divindades que acompanharam os povos africanos deportados para o Brasil e escravizados e que ainda hoje estão muito presentes na cultura, nas crenças e no cotidiano. A plataforma Midjourney, que permite gerar imagens graças à Inteligência Artificial, certamente poderia me ajudar.
Então fiz a série de retratos « Saudação aos Orixás » com uma IA. Prefiro dizer com um programa que me permitisse interpretar a minha inteligência e gerar um resultado dito « artístico », estético e criativo e isto de forma mais ou menos controlada. Sim, as pessoas que você vê nessas fotos não são modelos, elas não existem.
A totalidade desta série está visível nas redes sociais, em particular no Instagram @stephanegoanna.
Os aplicativos mencionados acima para gerar um avatar não permitem controlar o estilo, a luz, a expressão, a profundidade de campo, a colorimetria, a calibração etc etc. É por isso que usei a expressão « que me permitiu interpretar minha inteligência ».
O Midjourney requer um pouco de tempo de aprendizado porque você precisa passar pelo Discord e, em seguida, dar instruções digitando /prompt e, às vezes, linhas de codigo. Levei algum tempo e prática para entender como funciona e chegar ao resultado desejado.
Toda a dificuldade foi encontrar uma maneira de expressá-lo com palavras (inglês também!!!!), expressões e instruções muito precisas, dados e parâmetros fotográficos muito técnicos que me permitissem chegar o mais próximo possível do resultado do meu proprio estilo fotográfico. Estilo que adquiri não por aprendizado técnico, mas com empirismo, sensibilidade e emoção. Em seguida, era preciso descrever da melhor maneira possível os ornamentos, expressões e descrições da pessoa que representava o Orixá.
Nesse ponto a IA me impressionou:
Olhem por exemplo Oxóssi, descrevi-o apenas: « Africano, caçador com chapéu de couro ». A IA interpretou as cores e os “fios de conta”, acessórios e adornos das pessoas filhos e filhas dessa Orixás. Para Oxumaré, divindade que liga o céu e a terra, não falei do arco-íris, mas o descrevi como uma pessoa não binária. Iyemanjá ela, foi descrita como « Deusa do mar », então podemos ver em detalhes a textura escama de peixe de sua pele.
Pelo contrário, a IA interpreta muito mal os detalhes anatômicos:
Tive que escolher para Exu uma versão « sorrindo » e não uma versão « dando risada » pelo fato da IA não saber que um ser humano tem no máximo 32 dentes. Da mesma forma, na maioria dos retratos não aparecem as mãos, evita-se ter mutantes com 7 ou 8 dedos. Eu poderia ter retrabalhado esses retratos no photoshop, tirando brilho e saturação, para ficar mais próximo do meu estilo de criação fotográfica, e ter uma renderização menos artificial, menos de estúdio, mas o objetivo era mesmo ter um resultado 100% máquina.
Com a prática consegui refinar o pedido, a descrição e os parâmetros a inserir para chegar o mais próximo possível do meu próprio trabalho fotográfico « real ». Por isso refiz Oxum, que me pareceu muito artificial em sua primeira versão.
Observe também que era importante para mim criar uma representação humana de cada Orixá, para evitar cair em folclore, representação surreal ou mesmo de super-heróis como muitas vezes podemos ver. Para mostrar tanto a proximidade que eles têm com os humanos quanto o poder divino de cada um deles, não através de armas e força física, mas através de olhares, expressões, traços faciais e adornos, que encontrei frequentemente nas pessoas reais que encontro no Brasil. Por isso, era necessário ser preciso no pedido a fazer à AI.
Mas a IA aplicada à criação não prejudicará artistas e pessoas criativas?
Recentemente pudemos ver na homepage do famoso site dedicado à arte digital, Artstation, uma manifestação de artistas contra a arte gerada por IA.
Midjourney e AI em geral são máquinas, ferramentas e como qualquer nova tecnologia você terá que aprender a usá-las. Como a televisão não substituiu o teatro, a fotografia não matou a pintura mas a libertou, acho que IA usada com honestidade pode ajudar no processo criativo :
- IA pode ajudar tanto artistas digitais quanto artistas tradicionais em seu processo criativo, com sua inspiração, ou mesmo na criação de texturas ou outras imagens que possam ser utilizadas em suas composições.
- No cinema, nas artes cênicas ou mesmo na moda, a IA pode gerar arte conceitual para personagens, moodboards para figurinos ou até mesmo inspiração para cenários, filmagens, enquadramento etc.
- Em publicidade ou comunicação, será possível propor rapidamente conceitos aos clientes antes de entregar as versões finais.
As possibilidades são quase infinitas e podem economizar tempo para diferentes profissões.
A IA não substituirá a sensibilidade criativa dos humanos.
O resultado das « fotos » desta série, embora muito satisfatório, ainda está longe do que eu poderia criar com meu olhar de fotógrafo visitante e discípulo da cultura afro-brasileira, com minha sensibilidade e sobretudo com a confiança estabelecida entre mim e as pessoas fotografadas com o seu olhar, a sua expressão e as imperfeições que contribuem para a sua real humanidade.
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